Réplica e Especificação de Provas no Contencioso de Trânsito: Função Estratégica na Fase Instrutória

Réplica e Especificação de Provas no Contencioso de Trânsito: Função Estratégica na Fase Instrutória

1. Introdução

A fase instrutória é o momento decisivo das demandas judiciais envolvendo penalidades de trânsito, pois é nela que se definem os limites da prova e se consolida a estrutura argumentativa que sustentará a sentença. Nesse contexto, a réplica e a especificação de provas assumem papel estratégico fundamental, sobretudo quando o processo envolve a Administração Pública, cujos atos são revestidos de presunção relativa de legitimidade, mas frequentemente carecem de comprovação documental adequada.

A atuação técnica do advogado nessa etapa pode definir a anulação de penalidades, a concessão de tutela de urgência e até a improcedência de defesas protocolares apresentadas pelos órgãos autuadores.


2. A Finalidade da Réplica em Processos de Trânsito

2.1. Rebater a presunção relativa de legitimidade

Embora os atos administrativos gozem de presunção de legitimidade, trata-se de presunção relativa, podendo ser afastada diante de falhas formais, ausência de documentação ou contradições no processo administrativo.
A réplica é o momento adequado para desconstituir os argumentos do DETRAN, demonstrando:

  • ausência de dupla notificação;

  • não comprovação da ciência do condutor;

  • inexistência de julgamento administrativo válido;

  • falhas no auto de infração;

  • juntada incompleta do processo administrativo.

2.2. Impugnar documentos e alegações genéricas

Órgãos de trânsito frequentemente juntam aos autos:

  • telas sistêmicas,

  • relatórios sem assinatura,

  • extratos parciais do RENACH,

  • certidões padronizadas.

Tais documentos não comprovam a regularidade do processo administrativo. A réplica deve confrontar cada item, impugnando tecnicamente sua insuficiência probatória.

2.3. Preparar o terreno para a fase instrutória

A réplica não é mero formalismo. Serve para:

  • Fixar controvérsias;

  • Solicitar inversão do ônus da prova na forma do art. 373, §1º, CPC;

  • Questionar ausência de documentos essenciais;

  • Construir a narrativa jurídica que orientará a instrução.


3. A Especificação de Provas como Ferramenta Decisiva

Encerrada a apresentação de defesa, o juiz frequentemente abre prazo para que as partes especifiquem as provas que pretendem produzir. No contencioso de trânsito, esse momento é determinante.

3.1. Requerer a juntada integral do processo administrativo

A Administração tem o dever legal de trazer aos autos:

  • auto de infração completo,

  • comprovantes de postagem e entrega,

  • atas e relatórios de julgamento,

  • portarias de delegação,

  • comprovantes de consistência dos dados enviados via RENAINF ou RENACH.

A especificação de provas é o momento de exigir a documentação integral e não fragmentada.

3.2. Impugnar juntadas tardias ou incompletas

Se o órgão autuador não apresentar os documentos essenciais até esse momento, a parte autora deve:

  • registrar a omissão;

  • requerer preclusão;

  • reiterar pedido de inversão do ônus da prova.

A jurisprudência é firme no sentido de que a Administração não pode suprir falhas estruturais do processo administrativo com documentos produzidos unilateralmente na fase judicial.

3.3. Provar fatos negativos é excessivamente difícil ou impossível

Por isso, a prova deve ser transferida à Administração. Em muitos casos, a especificação de provas é o momento adequado para reiterar:

  • que o particular não tem acesso à base de dados oficial;

  • que não possui meios de provar ausência de notificação;

  • que é de responsabilidade exclusiva do órgão comprovar a ciência válida.


4. Estratégias Avançadas para a Fase Instrutória

4.1. Solicitar perícia em casos de autos eletrônicos ou radares

Em demandas que discutem:

  • radares irregulares,

  • falhas de aferição,

  • ausência de selo do INMETRO,

  • intempestividade de envio de dados,

a prova pericial pode ser determinante.

4.2. Requerer depoimento de prepostos

Oitiva de servidores responsáveis pela autuação, notificação ou instrução administrativa pode esclarecer:

  • rotinas de envio;

  • falhas de sistema;

  • procedimentos adotados.

4.3. Demonstrar que a Administração agiu com desídia

A ausência de documentos essenciais — mesmo após reiterados despachos — deve ser explorada:

  • para afastar a presunção de legitimidade;

  • como fundamento para julgamento antecipado favorável;

  • como base para tutela de urgência.

4.4. Produção de prova pelo autor quando necessário

Em casos específicos, a prova pode incluir:

  • prints da CNH digital mostrando restrição indevida;

  • comprovantes de endereço para desconstituir presunções de notificação;

  • vídeos e fotos da via onde a infração foi lavrada.


5. Conclusão

A fase instrutória representa o eixo central de qualquer demanda de trânsito. A atuação técnica na réplica e na especificação de provas não apenas organiza o debate processual, mas define qual parte carregará o peso da demonstração da legalidade ou ilegalidade do ato administrativo.

Em um cenário no qual a Administração Pública frequentemente apresenta defesas genéricas e acervo documental incompleto, cabe ao advogado:

  • demonstrar as lacunas;

  • provocar a inversão do ônus da prova;

  • exigir a apresentação integral do processo administrativo;

  • moldar a instrução de modo a enfraquecer a presunção de legitimidade.

Uma réplica bem estruturada e uma especificação de provas assertiva podem ser suficientes para derrubar penalidades, conceder liminares e esclarecer ao magistrado a real dimensão das irregularidades cometidas pelo órgão autuador.